Marina SilvaDe Brasília (DF)
A aprovação da Medida Provisória (MP) 458/08, semana passada, no Plenário do Senado, foi o terceiro momento mais triste da minha vida. O primeiro foi quando, ainda adolescente, perdi minha mãe, duas de minhas irmãs e meu tio, num curto espaço de tempo. O segundo foi quando assassinaram Chico Mendes. Agora, meu luto é pela Amazônia.
A MP 458, que está nas mãos do presidente Lula, vai regularizar a posse de 67 milhões de hectares de terra na Amazônia, um patrimônio nacional superior a 70 bilhões de reais, considerando apenas a terra nua. O problema é que, a título de legalizar a situação dos pequenos agricultores, dos posseiros de boa-fé, cujos direitos estão salvaguardados pela Constituição, os maiores beneficiados serão os grileiros, aqueles que cometeram o crime de apropriação de terras públicas e estão por trás da exploração fundiária irregular, da violência e do desmatamento ilegal.
Enviei carta aberta ao presidente pedindo veto a três artigos da MP, o 2º, o 7º e o 13º. Ainda que não conserte todo o mal que ela causa, a supressão desses dispositivos pode amenizar alguns de seus efeitos.
O primeiro veto que proponho é para impedir a regularização das terras ocupadas por prepostos (laranjas), o que está previsto nos incisos II e IV do artigo 2º e no 7º, uma vez que eles possibilitam a legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possui outras propriedades rurais e para a ocupação indireta. Essa forma de ocupação e exploração não deve ser beneficiada, pois desconsidera os critérios de relevante interesse público e da função social da terra.
Já o artigo 13 deve ser vetado para impedir a exclusão de vistoria prévia, procedimento fundamental para identificar a natureza da ocupação e, principalmente, a existência de situações de conflito na área a ser regularizada. Isso, em muitos casos, pode significar a usurpação de direitos de pequenos posseiros isolados, com dificuldade de acesso à informação, de mobilidade e de reivindicação de seus direitos.
Outro pedido que consta da carta aberta enviada ao presidente Lula é de que todo o processo de regularização fundiária seja caracterizado pela transparência e assegure a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os representantes dos segmentos ambiental, acadêmico e agrário.
Se o presidente nada fizer, não serão os ambientalistas a sair perdendo, mas o Brasil. O que está em jogo é a vida de milhões de pessoas e a conservação da floresta - uma vez que a grilagem já demonstrou ser o primeiro passo para a devastação ambiental. E não só eu que o diz. Para o Procurador Federal no Estado do Pará, Dr. Felício Pontes, "a MP 458/08 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra 15 anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal no estado do Pará, no combate à grilagem de terras."
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 1.377 pessoas estão ameaçadas de morte na Amazônia, entre as quais juízes, procuradores e lideranças que dedicaram a vida à causa da justiça, da lei e da proteção ao patrimônio do povo brasileiro. De 1999 a 2008 ocorreram 5.384 conflitos de terra na região, com 253 assassinatos e 256 tentativas de assassinato.
A MP 458 não foi o único grande retrocesso na legislação ambiental brasileira. Tivemos ainda a edição do Decreto 6848/08, que estipulou um teto para a compensação ambiental, ou seja, independente do prejuízo causado ao meio ambiente, o responsável pelos danos não irá desembolsar mais do 0,5% do valor total da obra; a modificação, após cinco meses de sua edição, do Decreto 6514/08, que exigia o cumprimento da legislação florestal; e a revogação da legislação que protegia as cavernas brasileiras. Para piorar, corremos o risco de ver alterada toda a legislação ambiental do País, por meio de uma proposta apresentada pela bancada ruralista na semana passada, que claramente quer expandir para o Brasil a legislação antiambiental aprovada recentemente em Santa Catarina.
Está com o presidente a decisão de impedir um dos maiores retrocessos na história da luta pela preservação das florestas e pela justiça ambiental no Brasil. No Dia Mundial do Meio Ambiente, 31 organizações da sociedade civil reforçaram, em nota pública, "repúdio à tentativa de desmonte do arcabouço legal e administrativo de proteção ao meio ambiente arduamente construído pela sociedade brasileira". Esta manifestação corresponde às análises que os formadores de opinião e a mídia vêm externando e ao sentimento da população captado por pesquisas de opinião. Cabe agora ao presidente Lula avaliar e agir, enquanto é tempo.
A aprovação da Medida Provisória (MP) 458/08, semana passada, no Plenário do Senado, foi o terceiro momento mais triste da minha vida. O primeiro foi quando, ainda adolescente, perdi minha mãe, duas de minhas irmãs e meu tio, num curto espaço de tempo. O segundo foi quando assassinaram Chico Mendes. Agora, meu luto é pela Amazônia.
A MP 458, que está nas mãos do presidente Lula, vai regularizar a posse de 67 milhões de hectares de terra na Amazônia, um patrimônio nacional superior a 70 bilhões de reais, considerando apenas a terra nua. O problema é que, a título de legalizar a situação dos pequenos agricultores, dos posseiros de boa-fé, cujos direitos estão salvaguardados pela Constituição, os maiores beneficiados serão os grileiros, aqueles que cometeram o crime de apropriação de terras públicas e estão por trás da exploração fundiária irregular, da violência e do desmatamento ilegal.
Enviei carta aberta ao presidente pedindo veto a três artigos da MP, o 2º, o 7º e o 13º. Ainda que não conserte todo o mal que ela causa, a supressão desses dispositivos pode amenizar alguns de seus efeitos.
O primeiro veto que proponho é para impedir a regularização das terras ocupadas por prepostos (laranjas), o que está previsto nos incisos II e IV do artigo 2º e no 7º, uma vez que eles possibilitam a legalização de terras griladas, permitindo a transferência de terras da União para pessoas jurídicas, para quem já possui outras propriedades rurais e para a ocupação indireta. Essa forma de ocupação e exploração não deve ser beneficiada, pois desconsidera os critérios de relevante interesse público e da função social da terra.
Já o artigo 13 deve ser vetado para impedir a exclusão de vistoria prévia, procedimento fundamental para identificar a natureza da ocupação e, principalmente, a existência de situações de conflito na área a ser regularizada. Isso, em muitos casos, pode significar a usurpação de direitos de pequenos posseiros isolados, com dificuldade de acesso à informação, de mobilidade e de reivindicação de seus direitos.
Outro pedido que consta da carta aberta enviada ao presidente Lula é de que todo o processo de regularização fundiária seja caracterizado pela transparência e assegure a efetiva participação da sociedade civil, notadamente os representantes dos segmentos ambiental, acadêmico e agrário.
Se o presidente nada fizer, não serão os ambientalistas a sair perdendo, mas o Brasil. O que está em jogo é a vida de milhões de pessoas e a conservação da floresta - uma vez que a grilagem já demonstrou ser o primeiro passo para a devastação ambiental. E não só eu que o diz. Para o Procurador Federal no Estado do Pará, Dr. Felício Pontes, "a MP 458/08 vai legitimar a grilagem de terras na Amazônia e vai jogar por terra 15 anos de intenso trabalho do Ministério Público Federal no estado do Pará, no combate à grilagem de terras."
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, 1.377 pessoas estão ameaçadas de morte na Amazônia, entre as quais juízes, procuradores e lideranças que dedicaram a vida à causa da justiça, da lei e da proteção ao patrimônio do povo brasileiro. De 1999 a 2008 ocorreram 5.384 conflitos de terra na região, com 253 assassinatos e 256 tentativas de assassinato.
A MP 458 não foi o único grande retrocesso na legislação ambiental brasileira. Tivemos ainda a edição do Decreto 6848/08, que estipulou um teto para a compensação ambiental, ou seja, independente do prejuízo causado ao meio ambiente, o responsável pelos danos não irá desembolsar mais do 0,5% do valor total da obra; a modificação, após cinco meses de sua edição, do Decreto 6514/08, que exigia o cumprimento da legislação florestal; e a revogação da legislação que protegia as cavernas brasileiras. Para piorar, corremos o risco de ver alterada toda a legislação ambiental do País, por meio de uma proposta apresentada pela bancada ruralista na semana passada, que claramente quer expandir para o Brasil a legislação antiambiental aprovada recentemente em Santa Catarina.
Está com o presidente a decisão de impedir um dos maiores retrocessos na história da luta pela preservação das florestas e pela justiça ambiental no Brasil. No Dia Mundial do Meio Ambiente, 31 organizações da sociedade civil reforçaram, em nota pública, "repúdio à tentativa de desmonte do arcabouço legal e administrativo de proteção ao meio ambiente arduamente construído pela sociedade brasileira". Esta manifestação corresponde às análises que os formadores de opinião e a mídia vêm externando e ao sentimento da população captado por pesquisas de opinião. Cabe agora ao presidente Lula avaliar e agir, enquanto é tempo.